Pe. Geraldo Martins

Chamados a trilhar o caminho da conversão

"A conversão que buscamos, recorda-nos o evangelho, passa pela prática da caridade (esmola), da oração e do jejum. Contudo, sua prática só terá sentido e efeito se brotar do mais íntimo da pessoa".


Chamados a trilhar o caminho da conversão

A liturgia da Quarta-feira de Cinzas marca o início de uma longa caminhada que aponta para a santidade. Com ela, entramos na Quaresma que, na expressão do Papa Francisco, “é o tempo de graça em que o deserto volta a ser o lugar do primeiro amor”. Para bem vivê-la, é necessário querer ver a realidade, buscar a conversão e a liberdade e agir. Um agir “que é também parar: parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido” (Mensagem para a Quaresma 2024).

A conversão constitui-se num voltar-se inteiro para o Senhor, reconhecendo que, pela prática do orgulho, da vaidade, do egoísmo, da indiferença e de tantos outros pecados, dele nos distanciamos. Ao longo da Quaresma, deve ressoar em nosso interior o apelo de Deus: “Voltem para mim com todo o seu coração, com jejuns, lágrimas e gemidos; rasguem o coração, e não as vestes” (Jl 2,12-13). Deus tem horror a meras exterioridades.

Tudo dependerá da confiança que tivermos no Senhor. Quanto mais estivermos convencidos de que Ele “é benigno e compassivo, paciente e cheio de misericórdia, inclinado a perdoar o castigo" (Jl 2,13), tanto mais veremos a Quaresma como caminho de conversão, de santidade, de busca do amor de Deus. Não temeremos jamais em confessar nosso pecado e suplicar o perdão de Deus como ensina o salmista: “Lavai-me todo inteiro do pecado, e apagai completamente a minha culpa!”

A conversão que buscamos, recorda-nos o evangelho, passa pela prática da caridade (esmola), da oração e do jejum. Contudo, sua prática só terá sentido e efeito se brotar do mais íntimo da pessoa. Estas atividades não podem ser mera exterioridade, aparência de busca de santidade, justificativa ou desencargo de consciência, apenas para que as pessoas tenham uma boa impressão de quem as pratica. Isso é hipocrisia, encenação, e Deus não se deixa enganar jamais!

Se observarmos bem, a esmola determina como nos relacionamos com os outros que nada têm. Sinto-me responsável pela vida do irmão empobrecido ou lhe sou indiferente a exemplo de Caim que, perguntado sobre onde estava seu irmão, responde: “por acaso sou guarda de meu irmão?”(Gn 4,9). A Campanha da Fraternidade deste ano vai nos ajudar a olhar para nossos irmãos e irmãs com mais cuidado ao refletir sobre a “Amizade Social”.

A oração, por sua vez, fala de nosso relacionamento com Deus. Na Quaresma, somos chamados a refletir sobre o tempo que dedicamos a falar e a ouvir Deus em nossa vida. Não é verdade que temos ocupado muito tempo com futilidades, cansando-nos com coisas inúteis ou desnecessárias, encurtando ou eliminando nosso tempo de estar a sós com Deus?

O jejum vai revelar como nos relacionamos com nós mesmos, com os bens que possuímos, com nossas paixões e desejos. Aqui também é forçoso admitir que, muitas vezes, nos deixamos guiar pelo consumismo e por um ideal que nem sempre corresponde à verdade sobre nós mesmos.

São Mateus alerta-nos para que não sejamos hipócritas na prática desse caminho de santidade. O que significa isso? Que a prática da esmola (caridade), da oração e do jejum não seja como uma máscara que usamos, escondendo quem realmente somos. Ao receber, hoje, as cinzas sobre nossas cabeças, ouvindo esta palavra do evangelho, manifestamos nosso desejo e disposição de trilhar o caminho da conversão, que nos reconcilia com Deus e com os irmãos.

Façamos desta Quaresma, como lembra o Papa Francisco, um tempo de decisões. Decisões que sejam capazes de “modificar a vida quotidiana das pessoas e a vida de toda uma coletividade: os hábitos nas compras, o cuidado com a criação, a inclusão de quem não é visto ou é desprezado”. Se fizermos isso, estará garantida nossa reconciliação com Deus.